Outubro chegou e com ele o desafio de pensarmos sobre o cuidado e a prevenção do câncer de mama. Ao buscar uma inspiração para esta reflexão, me deparei com o conceito de epimeléia heautoû¹. Este conceito remonta aos pensadores da antiguidade greco-romana e traz a ideia do cuidar de si como uma necessidade e uma forma de ser e de constituir-se no mundo. Cuidar de si implica em conhecer-se, sendo um mergulho íntimo e um exigente exame pessoal na busca do seu próprio conhecimento como meio de alcançar a sua verdade, estabelecendo-se como um modo de vida. Esta forma de viver está imbricada com o conhecer-se para poder se governar. Foucault² ao retomar este conceito, afirma que este cuidar de si constitui-se de práticas executadas pelas quais nos modificamos, nos transformamos, abrindo a possibilidade de estabelecer novas formas de viver. O que inclui, novas perspectivas de pensar, agir, sentir e se relacionar consigo e com o mundo. Neste repertório de práticas, implícitas neste conceito, encontramos uma diversidade, que inclui atitudes voltadas para o próprio sujeito como também o exercício de estar na presença de um outro com quem podemos contar. Não sendo, desta forma, uma prática de solidão, mas, um exercício humano que acontece do ser consigo mesmo e também em conexão com outro humano.
Cuidar de si mesma, conhecer seu corpo, estar atenta aos sinais, fazer a prevenção é o que nos solicita a campanha do outubro rosa. A campanha, já é, por si só, uma ação de cuidado uma vez que se concretiza em uma diversidade de ações sociais dirigidas, em última análise, a cada pessoa, estimulando o autocuidado. As ações implementadas pelo movimento outubro rosa promovem o conhecimento e a desmistificação da doença, pois quanto mais falamos, mais sabemos lidar e mais encontramos apoio. O exercício do cuidar-se de si transforma-se em um exercício de liberdade e solidariedade. A partir do meu autocuidado posso me abrir ao outro oferecendo o que já tenho constituído dentro de mim como uma realidade, como um modo de ser. Ofereço algo ao outro quando possuo o que oferecer. Assim, estabelecemos laços de apoio. Ofereço e recebo, recebo e me fortaleço.
O câncer pode se apresentar de diferentes formas sendo seu início, muitas vezes, silencioso, insidioso. Por isso a importância do cuidado consigo mesmo, preventivo e constante, fazendo parte do viver de cada um. Um tumor que se instala silencioso e aparentemente inofensivo, quando não detectado e tratado, invade e se alastra, desenvolvendo metástases que ceifam a vida.
Da mesma forma que um câncer, penso em nossos desamparos e dores emocionais que também se instalam dentro de nós. Algumas vezes de forma abrupta e traumática e, outras, de forma silenciosa, insidiosa, mas não menos danosa.
Ao longo da vida enfrentamos experiências que envolvem sofrimento que, quando não integradas em nosso repertório emocional, podem se instalar em nossa mente como verdadeiros tumores emocionais. Estes, quando não cuidados, se infiltram e se embrenham de tal forma que acabam desenvolvendo metástases no pensar e no viver plenamente.
Tumores emocionais consomem a vida plena e livre, bloqueando possibilidades de transformações e abertura de diferentes modos de ser e de viver. Aqui vale pensarmos na experiência da psicoterapia como um espaço que se abre para o encontro de duas subjetividades empenhadas no exercício do cuidar-se de si, espaço de transformação e de experimentação de outras formas de ser. Por um lado, o sujeito que busca ajuda, no outro, aquele que escuta. Um encontro potencial em que ambos se transformam.
¹https://www.youtube.com/watch?v=5Dui9jLJ4sk&t=129s
²https://www.youtube.com/watch?v=5Dui9jLJ4sk&t=129s
Laura Martins-Costa Malcon, psicóloga e sócia graduada IEPP.