Por Caroline Hildebrando de Freitas (Psicóloga, Sócia Graduada do IEPP), Elisa de Azambuja Loureiro (Psicóloga, Sócia Graduada do IEPP), Eduarda Duarte de Barcellos (Psicóloga, Sócia Graduada do IEPP e Mestranda em Psicologia Clínica – UNISINOS), Marina Brasil (Psicóloga, Sócia Aspirante do IEPP e Mestranda em Psicologia – PUCRS), Júlia Martini (Psicóloga, Sócia Aspirante do IEPP) e Mariana Cavalheiro (Psicóloga, Sócia Aspirante do IEPP).
Vivemos tempos de medo, preocupação e ódio. Um discurso já muito conhecido, mas infelizmente sempre esquecido. Esquecido principalmente por aqueles que não são atingidos diretamente por ele. Diante da possível ameaça à uma adulta-jovem recém conquistada democracia, enxergamos a olhos nus e corações sangrando os efeitos da negação de conquistas sociais e políticas tão importantes, que garantem o existir e o desejo de sujeitos onde a existência por muitos anos foi condenada.
No discurso de ódio a censura parece não mais existir. Quando não há repressão (no sentido psicanalítico), perde-se o cuidado. Onde a agressividade e a destrutividade encontram espaço para emergirem entre os sujeitos, alguns destes (as minorias), sofrerão com as punhaladas das lanças das palavras e dos atos. Não há transformação, não há olhar, não há cuidado… Perde-se então o sentido de humanidade. Humanidade aqui entendemos como a capacidade de transformar e encontrar novos caminhos para a pulsão, caminhos estes que por vezes só podem ser garantidos com leis de proteção, garantia de direitos, tolerância e, sim, amor.
O futuro é hoje, é agora e está novamente, como se a memória tivesse sido desfacelada, repetindo o passado. Como gritava e cantava com sua voz de força nossa aguerrida Elis Regina, “minha dor é perceber, que apesar de termos feito tudo que fizemos, ainda somos os mesmos”. Somos os mesmos? Iguais em desgraça? Diz-se que quando não se pode “enterrar os mortos”, falar do passado, dos traumas, dos medos, eles voltam a nos assombrar repetidas vezes, até que sua memória possa ser honrada com acolhimento, perdão e verdade.
Estamos a beira do abismo e o medo do desconhecido toma conta. Os consultórios estão sendo invadidos por pacientes que trazem relatos de medo, agressividade e caos. Que papel temos na sociedade enquanto psicólogos? Quando nos formamos, nos comprometemos a olhar o outro e atentar às individualidades? Se a psicoterapia tem como objetivo auxiliar o ser humano a buscar a liberdade de existir dentro de si, como viver em um ambiente que não valoriza a democracia do ser?
Vivemos tempos difíceis. Tempos onde a repressão do id, a repressão da agressividade perde força e corremos risco de voltarmos a um tempo onde o individualismo (e não a individualidade) se sobrepõe ao coletivo. Pesquisas já demonstraram como, quando em risco, tendemos a proteger nosso grupo de iguais e marginalizar o estranho, movimento também já explicado por Freud. Porém, quando existem espaços para troca, para discussão e para discordâncias, podemos olhar para nós mesmos nos dando conta que nem tudo no nosso id, nem todo nosso desejo, é benéfico e inofensivo. Reconhecendo a maldade dentro de nós, podemos reconhecer a necessidade estrutural da nossa repressão psíquica e os riscos que corremos quando um discurso de ódio se torna legítimo.
Que nesses tempos difíceis possamos nos unir em respeito à alteridade.