05 de Junho Dia do Meio Ambiente
Em “A Vida Não é Útil”, o indígena e ativista Ailton Krenak reflete sobre a relação destrutiva dos seres humanos com o meio ambiente que tomou conta do imaginário coletivo, indo em sentido contrário à forma de viver dos povos da floresta. Krenak traz uma valiosa reflexão sobre a cultura dos povos indígenas onde o sonho é uma instituição que ajuda as pessoas a se relacionarem com a vida, preparando-se para o que virá. Relata o sonho de um senhor chamado Sibupá, que vivia na terra indígena Pimentel Barbosa há muitos anos: “Eu tive um sonho em que o espírito de caça estava muito bravo e dizia que eu era um irresponsável, que eu não estava cuidando bem dos espíritos dos bichos, que os waradzu (os brancos) estavam predando tudo e logo acabaria a caça e as pessoas não teriam mais o que comer”. Para eles, sonho transmite conhecimento, e inclusive a experiência de compartilhá-los enriquece um coletivo construindo recursos para lidar com o cotidiano.
Krenak também passou a ter esses sonhos premonitórios enquanto assistia à violenta depredação de suas terras na região Krenak em Minas Gerais. “Passei a ouvir os rios falando, ora com raiva, ora ofendidos”. Sibupá previu o que está acontecendo hoje, não só naquela região, mas em grande parte do planeta e alertava jovens indígenas sobre o perigoso futuro que se desenharia anos à frente. Esses sonhos se tornaram uma realidade destrutivamente concreta e ameaçam toda a biosfera, que está inteiramente conectada. O que acontece aqui, é comunicado no lado de lá. Esse ecossistema que escuta a terra, o céu, o tempo e descentraliza o homo sapiens, apesar de vivenciarmos a disseminação do negacionismo e da ideia de especismo, esta que considera o homem superior aos outros seres com o objetivo de melhor explorá-los.
Enquanto escrevo este texto, estamos vivenciando no Brasil um momento de tensão, mais um retrocesso ambiental: a eterna repetição do pensamento colonial recorrente desde 1500 por aqui, como a tal tramitação do PL 490 do Marco Temporal, que transmite o poder de realizar a demarcação de terras indígenas ao Legislativo, ou seja, os povos que não conseguirem provar que ocupavam as suas terras desde 5 de outubro de 1988, estão devidamente ameaçados pelos interesses econômicos. Esta tramitação põe em risco todo o meio ambiente, uma vez que viabiliza ainda mais a violência contra os povos indígenas, as queimadas, o desmatamento de áreas protegidas, e a potencialização da crise climática.
Os constantes ataques a todos movimentos a favor da vida para proteger nossas terras, florestas e rios, revelam explicitamente a capacidade autodestrutiva do homem moderno que entendeu a natureza como um objeto infindável e dissociado de si. Os povos indígenas tornam urgente e claro o que é afastado pela civilização para um lugar obscuro, inconsciente, sem contato à reflexão. Krenak mostra que os sonhos não precisam de grandes análises, eles são compreensíveis e intuitivos, ajudam a construir recursos para pensar em um futuro melhor. Em seu relato, diz que no tempo dos nossos ancestrais eles viviam em harmonia com a natureza, sobrava tempo para “cantar, dançar, sonhar: o cotidiano era uma extensão do sonho. E as relações, os contratos tecidos no mundo dos sonhos, continuavam tendo sentido depois de acordar”.
Nesta data de reflexão sobre as questões ambientais, que possamos escutar nossos sonhos, nossas atitudes juntamente com a falta delas, para buscar outras formas de viver e estar neste planeta-mãe, com respeito e reconhecimento da diversidade que precisamos aprender a conviver. A tão conhecida frase de Freud “não somos senhores em nossa própria casa” também se estende a essa discussão.
Nicolle Codorniz (Psicóloga Clínica e Sócia-graduada do IEPP)
Fotografia de Sebastião Salgado