A parentalidade por adoção é um tema importante pouco debatido e compreendido em nossa sociedade. Atualmente existem no Brasil mais de cinco mil crianças esperando por uma adoção. A lista de adultos considerados candidatos a adotar também é grande, em torno de trinta mil. Estes dados nos mostram que existem pessoas desejando adotar um filho, realizar o sonho de se tornar pai/mãe e constituir uma família e que também existem crianças precisando de adultos que as protejam e cuidem.
Estamos acostumados a ver o tema da adoção relacionado à filantropia, como se envolvesse apenas a bondade e o amor daqueles que resolvem acolher em suas casas e em suas vidas um sujeito que necessita de amor e cuidado. Contudo, o processo de adoção é bastante complexo e envolve diversos fatores importantes, que se puderem ser pensados e explorados, colaboram para a construção de uma relação de amor mais consistente e saudável entre pais e filhos.
Adotar, segundo o dicionário Aurélio, significa: 1. tomar por filho; 2. escolher e seguir. O ato de adotar permeia a relação pais e filhos tanto daqueles que geram como daqueles que não geram. Os filhos, biológicos ou não, chegam causando mudanças, questionamentos, adaptações a novos papéis e isso por si só pode ser confuso, até caótico. Aos poucos, a família vai criando sintonia e todos vão se apropriando de seus lugares, exercitando funções novas e fortalecendo os laços. Entretanto, existem diferenças a serem consideradas, uma delas é que a preparação para este período se dá de formas distintas quando a mãe gera seu filho ou quando alguém inicia o processo de adoção. Existem autores que falam da gestação mental, aquela que não acontece durante os nove meses de gravidez no corpo da mãe, mas acontece na mente de quem se prepara para receber um filho e iniciar a sua família.
No caso de pais que optam pela adoção, é preciso primeiramente que entendam por que chegaram a esta decisão e que pensem a respeito das razões que podem ter verdadeiramente motivado esta escolha. Pessoas que apresentam infertilidade podem sentir culpa ou ainda sentir que precisam “prestar contas” à sociedade e à família, podendo a escolha de adotar estar atrelada a isso. Elas podem estar correspondendo àquilo que imaginam que os outros esperam delas. Segundo Levinzon (2009), psicanalista que vem estudando o tema da adoção, no caso de existir a verificação de uma esterilidade permanente, isso pode provocar uma ferida que não é fácil superar, já que resulta em uma mudança importante no projeto de vida daquele que se depara com esta situação. Se tudo isso não pode ser pensado e elaborado, a criança adotada pode ficar no lugar de “representante” dessa infertilidade, o que dificulta o vínculo a ser construído.
Os pais que fazem a opção de adotar podem estar em diversas situações: podem ser jovens ou mais velhos, podem estar casados e sem filhos, estar solteiros ou podem ter filhos biológicos anteriores. Cada história tem suas peculiaridades. A criança também tem uma história pregressa que precisa ser levada em consideração. A separação precoce entre a criança e seus pais biológicos pode deixar marcas e influenciar na forma como as relações interpessoais serão vivenciadas, inclusive com os pais adotantes. Ao mesmo tempo que o encontro dos pais adotantes com o filho adotivo significa a abertura de novas possibilidades, o início de uma relação que ambos desejam que se desenvolva da melhor forma, também pode significar o início de um período delicado, pois atinge todos os envolvidos profundamente. Steck (1991), ao falar de dificuldades vividas pelos pais adotantes, mostra que é mais difícil encontrar pais de filhos adotivos com quem se possa trocar experiências. Também pela inexistência da gravidez, os amigos e familiares podem ficar mais afastados do processo, ajudando pouco na preparação para o papel de pais. A dependência das determinações legais também pode gerar angústia nesses pais, já que ao contrário da gravidez, que tem um tempo pré determinado, o processo de adoção pode durar pouco ou muito tempo, o que não costuma ser fácil.
Assim, o caminho da adoção é trilhado com muito esforço, alegrias e também dificuldades. Existem algumas características comuns em muitas situações de adoção, como a superproteção dos pais adotivos em relação aos filhos, o medo de revelar a verdade sobre o filho ter sido adotado, uma maior vulnerabilidade da criança em situações de separação, entre outras. A criança adotada precisa sentir o amor e a aceitação dos pais para que possa ter mais estabilidade, auto estima, confiança em si e nos demais. O autoconhecimento e a responsabilidade dos pais adotantes também são cruciais. Em muitas ocasiões uma orientação e/ou acompanhamento psicológico se faz necessário. Para finalizar, importante destacar o que sinaliza Levinzon (2009), quando mostra que muitas vezes as pessoas podem ligar a adoção a um evento triste, frustrante e até traumático. Podemos pensar que é possível que os motivos que levam à adoção tenham deixado marcas, porém a adoção em si pode representar uma nova oportunidade para os pais e os filhos formarem uma família, enfrentarem as dificuldades e poderem contar uns com os outros na construção de uma relação saudável e de transformação.
Bianca Sanchotene
Sócia graduada IEPP
Membro do Núcleo da Adoção