A paternidade no contratempo da vida
Atualmente cada vez mais a paternidade tem ganhado espaço e este papel tão importante tem sido discutido sob vários aspectos. Nossa sociedade tem sido composta gradativamente de pais e mães que se intercalam na rotina com os filhos. A definição de papéis tem sido cada vez mais fluída e dinâmica e todos ganhamos com isto. Porém, ainda temos muito a caminhar, pois ainda impera a ideia da paternidade sob o viés da maternidade ou como o complemento desta.
Falo aqui na condição de filha. De um pai que, embora não se faça mais presente, vive dentro de mim. Falo de um sentimento de uma relação que me constituiu. E que, nem de longe, foi um complemento de um espaço destinado à maternidade. De um pai que esteve presente não somente nos grandes momentos. Nos marcadores do desenvolvimento e nos rituais de passagem para a vida adulta. Mas de um pai que esteve na sutileza, no contratempo da melodia composta nos dias comuns. Pai que me fez sempre, mesmo nos momentos difíceis, ter a confiança na potência do amor e do poderoso laço das relações humanas. Difícil definir algo tão complexo como a paternidade. Mas, se algo se assemelha a esta posição, diria que ela está exatamente neste campo. Da presença constante, da rotina, nos breves e quase imperceptíveis momentos da vida.
Quando falho, na maternidade (e isso ocorre muitas vezes) é o pai dos meus filhos que está ali. Quando ele falha, eu estou. Quando falhamos eles ficam com a falta, que também é essencial e constituinte. Em tempos onde não se pode falhar, onde as crianças vivem hiperestimuladas em meio a uma vida adulta repleta de exigências, a falta, é muito bem vinda. Pois é na ausência que se sente a presença de quem um dia esteve ali. Quando nossos pais se vão, sentimos a força e a potência dessa presença. E o que fica? O que está em nós. O que foi construído.
A colheita pode ser farta onde muito se plantou. Ainda que com faltas, falhas ou espaços vazios. Que possamos sempre semear, plantar e colher com o material do que somos feitos. Que este domingo, possamos estar perto dos nossos pais, festejá-los e abracá-los, ainda que na lembrança. Estar perto de nossa raiz, de nossa origem, compartilhar lembranças, afetos e risadas, nesta bonita roda da vida. Isto é o que nos constitui e o que de melhor tempos.
Um feliz dia dos pais a todos!
Márcia Munhoz
Psicóloga; Especialista em Dependência química pela UFCSPA, sócia efetiva e coordenadora do departamento científico do IEPP