Quem nunca imaginou retroceder no tempo ou querer dar uma leve bisbilhotada no futuro? Acredito que todos em algum momento refletiram sobre atitudes que ocorreram em um tempo no passado, ou pensaram em como gostariam de agir em um momento que ainda não aconteceu, afastando-se do momento presente e se projetando em algum lugar distante. Na série Dark (2017), produzida pela Netflix, encontramos uma trama baseada no drama de algumas crianças que estão desaparecendo em uma pequena cidade da Alemanha, o que no início é uma suspeita de um puro desaparecimento se transforma em uma história em viagem no tempo. Nesse suspense, estamos diante de 3 tempos: 1953, 1986 e 2019, todos estes entrelaçados por várias famílias. Vemos os personagens mais adultos em suas infâncias, com semelhantes trejeitos de personalidade, outros mais fortes do que antes, e ainda outros revivendo traumas que não foram superados, sendo repetidos no tempo presente.
Essa história tem como norteadora as teorias de Einstein sobre o tempo, o que ele considera como uma grande ilusão das pessoas. Se pensarmos à luz da psicanálise, que trabalha com experiências muito precoces, também temos que concordar em parte com o gênio da física. Segundo a série, passado e futuro influenciam o presente, assim como nossas experiências infantis e ideais influenciam quem somos hoje e o que queremos pra nós. Em muitas formações de sintoma notamos traços mnêmicos que foram vivenciados em outras épocas, podendo ocorrer um processo chamado de
regressão por Freud, em que a libido irá fixar-se em pontos e fases que não foram superados. Isso acontece devido à ameaça de perigo, tão constante na série, que apresenta um enorme suspense em volta dos desaparecimentos que ocorrem há décadas e ninguém consegue desvendar esses crimes. Sendo assim, é necessário retornar ao passado para entender essas perdas literais em diversas famílias.
O personagem principal da série (Jonas), ao se deparar pessoalmente com a realidade crua dos anos passados, que podemos equiparar com a realidade psíquica,muda seu comportamento com as pessoas durante os anos seguintes, pois não pode mais agir como antes, senão estaria vulnerável a práticas incestuosas com sua tia e tendo muitas informações que ultrapassaram à censura. Precisou, então, afastar-se do presente para não ceder a seus desejos eróticos, e trabalhar para dar um fim ao livre circuito entre os tempos, uma vez que entendia que isso era extremamente doloroso e gerava mascas para gerações seguintes.
Assim como para os personagens da série, a questão do tempo é fundamental também em nossas vidas psíquicas, pois esse não é de fato constante, e sim atemporal, recheado de objetos internos, que buscam se manifestar de alguma forma no agora. Ou seja, independente de em que tempo estamos localizados, a forma como somos está falando sobre experiências que já aconteceram. Criar “buracos de minhoca”, tão questionados em Dark, em nossa mente são necessários para a elaboração do sofrimento em psicoterapia, e tentar aniquilar essas conexões com experiências antigas pode gerar ainda mais sofrimento, além de ser um “paradoxo temporal”, porque o fim dessa ponte entre consciente-inconsciente não é possível, a sua tentativa apenas reforçaria ainda mais as repetições do passado, instaurando uma resistência.
Dark traz muito mais que questionamentos acerca de física quântica, também pode estar representando um grande aparelho psíquico, povoado de triangulações, angústias, repetições entre gerações, irracionalidade, e principalmente, a atemporalidade do inconsciente. Na realidade do inconsciente, é possível se deslocar de fato no tempo quando a censura é fragilizada, o que é um fator fundamental no processo de elaboração psíquica, assim como no adoecimento, quando há fixações. O tempo não é apenas uma separação concreta entre passado, presente e futuro; ele é dinâmico dentro do psiquismo. Precisamos estar alinhados com todas as alternativas do tempo para encarar o passado, estar consciente do agora e ser responsável com nossos ideais e com o que está por vir, pois tudo sempre estará interligado. “A pergunta não é como, mas quando”.