Por Heloisa Cunha Tonetto, psicóloga clínica, docente do IEPP e psicanalista da SPPA
Dizer do outro em mim é estar falando em alteridade necessária, mas que remete de imediato ao paradoxal. E estendendo mais, podemos dizer que falar do fraterno é abordar o entremeado dos fios narcísicos; também dizendo num jogo de palavras:
Narcisismo – a introdução acionada pela “nova ação psíquica”
Narcisismo – a introdução acionada pelo outro em mim
Portanto, ao abordar o fraterno, algo se agrega às demandas narcísicas e edípicas, que está inserido na constituição da subjetividade.
O desenvolvimento do eu se constitui e se diferencia no mesmo tempo e no mesmo movimento que o outro, a partir de uma identificação ambivalente com seu semelhante, feita de inveja, de concorrência e de simpatia. Este entendimento segue na esteira que Freud apontou em 1895 em seu Projeto para uma psicologia científica, quando escreveu que “um objeto semelhante foi, ao mesmo tempo, o primeiro objeto satisfatório, o primeiro objeto hostil e também sua única força auxiliar” (p. 438, 1977).
A partir de então, autores contemporâneos vêm estudando o tema, como Kancyper e Käes, entre outros, e partilham da posição que o complexo fraterno tem uma função estruturante no desenvolvimento humano. As manifestações, que vão da normalidade às patologias deste vínculo, são diferentes das quais se originam nas relações com os pais.
O irmão é semelhante (alguém da mesma geração), que constitui uma primeira aparição do estranho na infância – é o outro que não sou eu. O enfrentamento com o outro, é aquele intruso, é o duplo que toca em aspectos narcísicos e que vão se refletir nos conflitos edípicos.
O eixo vertical da estruturação da psique é o complexo de Édipo – com suas diversas formas que varia do amor e ódio dos pais e ligam conjuntamente sexualidade e geratividade.
O eixo horizontal desta estruturação – o complexo fraterno, também envolve diversas formas de amor e ódio, desta vez pelo semelhante contemporâneo: o outro intruso que se tornará até mesmo familiar e diferente, dando oportunidade a experiências distintas daquelas ocorridas com os pais.
Estas duas linhas se cruzam, se combatem e incitam um ao outro e, às vezes, se lançam bruscamente um sobre o outro. Mas, nenhum pode existir sem o outro.
O complexo fraterno possui seus componentes amorosos, narcísicos, incestuosos, invejosos e odiosos. Há uma tendência em encaminharmos o entendimento destas manifestações entre irmãos, para o desfecho edípico. Mas ampliar e aprofundar este olhar pode nos ajudar a entendermos, de forma mais ampla, as manifestações da clínica, tanto para o atendimento infantil, quanto para adolescente e também adulto.
Para fecharmos, podemos sintetizar compreendendo que o fraterno é um complexo que possui uma dinâmica, uma estrutura e economia específica.
O estudo deste complexo nos apresenta um estatuto diferente em relação ao outro. O outro fraterno é diferente do outro parental, pois o outro fraterno é a minha replicação. É o intruso, o concorrente na mesma linha geracional.
O complexo fraterno abre uma complementação no espaço da constituição subjetiva, num jogo intra, inter e transubjetivo. Cada um destes espaços tem seus próprios significantes, com suas lógicas específicas, que vão se compondo numa rede constitutiva.
Portanto, podemos afirmar que é impossível não nos encontrarmos com o outro e no outro, pois o humano precisa do outro para constituir o aparato psíquico e a representação de si mesmo.