Atualmente, tem se falado bastante sobre as transformações que o feminino vem passando nos últimos tempos. O papel ocupado pela mulher na família, na sociedade, no casal e no trabalho, para citar alguns exemplos, manifesta-se diferentemente do desempenhado no tempo de nossas avós.
Os contos de fada também não escaparam desta mudança, de forma que me parece interessante lançar um olhar ao tema sobre as princesas da Disney, no qual cada personagem constitui seu perfil através de seu próprio momento histórico. Na psicanálise compreendemos que o conceito de “feminino” nos remete a inúmeras possibilidades de abordagens teóricas. Desde Freud sabemos que estamos diante de um conceito bastante complexo, de difícil delineamento e de significados pouco precisos, e que tem se modificado com o passar dos anos. Dentre outros importantes fatores, entendo que as princesas podem influenciar na construção da personalidade e opinião de meninas, principalmente pela sua presença no cotidiano infantil. O que a meu ver justifica a importância de pensar sobre a representação do papel da mulher nestas narrativas.
Freud apresenta para a psicanálise o conceito de personalidade constituída por três esferas: Id, Ego e Superego, cuja interação resulta na identidade do indivíduo. Ele considera os primeiros anos de vida do sujeito como estruturantes e relaciona a formação da personalidade com o desenvolvimento sexual.
Sob a ótica das princesas contemporâneas podemos refletir a partir da mudança histórica que as envolve, a reformulação dos perfis femininos, apresentando-se como personagens mais independentes do que submissas aos seus próprios anseios. Muito embora necessitem encarar novos desafios pondo à prova sua capacidade de enfrentar o até então desconhecido. Será que onde o grande público enxerga uma menina “revoltada”, não está presente uma menina revolucionária, ou seja, confrontadora aos costumes e regras até então estabelecidos?
Gostaria de me deter à Pequena Sereia, Ariel, a filha caçula do Rei Tritão. A primeira história sobre a personagem data de 1876 e foi escrita pelo dinamarquês Hans Cristhian Andersen. Em dezembro de 1989, a Disney lançou o filme recontando a história com uma roupagem um tanto diferente da original. A personagem apresenta-se como uma das primeiras princesas que não parece ter postura conformista e submissa, mas corajosa, libertária e desejosa por conhecer o mundo, embora não abandone seu ideal de amor.
A história de Ariel vai ao encontro das mudanças da mulher desta época. A narrativa aborda a sua busca por identidade, diferente de sua família e do Reino de Atlântica, a menina contesta as regras e proibições do pai.
Para quem desconhece a história, ao completar quinze anos Ariel tem a permissão do pai para emergir e conhecer o que há acima do Oceano. Nesse momento, ela então se apaixona por um humano, Eric, e inicia sua jornada fazendo de tudo para deixar seu corpo de sereia e poder se casar com o príncipe em terra. Seus anseios a levam a procurar Ursula, a bruxa que lhe oferta uma solução: uma poção que irá transformar sua cauda de sereia em lindas pernas humanas, a bruxa, no entanto, impõe uma condição: a de que lhe entregue sua voz – a mais linda do reino – e fique muda. Sem muito ponderar, Ariel aceita a troca e vai até a praia, toma a poção, transforma-se em humana e encontra Eric, que se encanta por seus olhos.
O que Ariel não esperava é que a bruxa dias depois enganasse seu amado Príncipe, com a ajuda da sua própria voz, agora de posse da bruxa, e conseguisse que ele se apaixonasse por ela. A princesa com auxílio de seus amigos consegue impedir o casamento e resgatar sua voz. Porém, a megera se revolta e prende a filha do Rei Tritão aceitando libertá-la apenas em troca de seu pai; o que acaba por acontecer e a bruxa transforma o rei em pólipo e governa o reino de Atlântica. Sobre o Oceano, Ariel e Eric se entendem, e passam por uma tempestade criada por Ursula. Mesmo ferido, o Príncipe consegue matar a bruxa. Com isso, o Rei volta a governar o reino de Atlantica e ao perceber que sua filha realmente ama o Príncipe, ele transforma-a em humana e assim eles se casam.
Parece-me que igualmente como a Sereia enfrentou a Bruxa, as mulheres ainda enfrentam represálias sociais por assumirem posicionamentos distintos do que lhes são impostos. Da mesma forma que a Disney busca constantemente trazer novas histórias na ótica de princesas, o feminino também está em constante transformação na ótica da sociedade. As mulheres na contemporaneidade vêm indagando-se sobre seus papéis e valores. A partir disso entendo que se faz necessária a reflexão sobre: o nosso Ser mulher, nossa constituição enquanto sujeito e a satisfação ou não em exercer determinado papel ou atividade, de forma a buscar o entendimento e questionamento quanto ao desejo de nos sentirmos à vontade conosco e em sociedade.
Sabemos que depois de Ariel, os contos de fadas nos apresentaram outras personagens femininas questionadoras, revolucionárias e autênticas. De certa forma, torcemos para que a Disney siga nos apresentando novos perfis de Princesas, que quebram barreiras e questionam opiniões convencionais nos trazendo sempre a reflexão de qual papel queremos ocupar.
Elisa Loureiro
Psicóloga e Sócia Graduada do IEPP