A adolescência é caracterizada por um período de transição, marcado por mudanças físicas, emocionais e sociais. Mudanças bruscas que causam angústia e até mesmo um certo estranhamento nos adolescentes.
Proponho apresentar as dificuldades vividas por uma jovem (Alice), neste período de transição entre a vida infantil e o mundo adulto. Na obra de Lewis Carroll: Alice no país das maravilhas (1865), a história pode ser interpretada como uma representação da adolescência, com uma entrada súbita e inesperada, além das diversas mudanças de tamanho e a confusão de identidade que isso causa em Alice.
Através dos animais falantes e dos personagens “malucos”, Alice vive seus medos, inseguranças e questionamentos. Destaco aqui alguns destes personagens “nem tão malucos assim”, que podem ser entendidos como projeções da mente de Alice, para representar os conflitos da adolescência e ilustrar a teoria estudada em aula.
O Coelho Branco e sua toca
Logo no início da história, Alice guiada por sua curiosidade, segue o Coelho Branco que passa correndo por ela, com muita pressa, dizendo:
– é tarde, é tarde, é tarde…
Já neste pequeno trecho, podemos fazer uma analogia: Alice correndo atrás do coelho pode representar a corrida atrás de sua maturidade. Pois o Sr. Coelho é um personagem maduro, rígido e com compromissos a cumprir. Ainda sobre o coelho, também podemos pensar na personagem Alice em busca de um olhar.
Ao cair na toca do coelho, Alice se depara com um mundo de fantasias, onde os objetos são desordenados, confusos, voam e ficam de cabeça para baixo. Fazendo uma analogia com o inconsciente, podemos pensar o quanto nosso inconsciente pode ser confuso, sem lógica ou racionalidade.
A Lagarta
Durante a conversa com a Lagarta, Alice admite sua crise de identidade causada pelas grandes transformações no seu tamanho:
– quem és tu? (Diz a Lagarta)
– já nem sei senhora. Mudei tanto que já nem sei quem sou.
No encontro com a Lagarta, Alice se depara com uma questão fundamental para os adolescentes: quem sou eu? O novo corpo adolescente, com suas novas formas, novas funções e potencialidades, precisa ser representado internamente a fim de recriar um sentimento de familiaridade com si próprio.
A escolha da Lagarta como personagem “conselheira” não foi por acaso. Lagartos são frequentemente caracterizados como borboletas em crescimento, símbolo de transformação (do corpo infantil para o adulto estranho).
A obra de Lewis Carroll nos presenteia com um colorido mundo das maravilhas, repleto de personagens malucos, sonhos, medos e fantasias. Um mundo que pode ser tranquilamente comparado ao “mundo da adolescência”, com seus conflitos, desejos, angustias e um colorido todo especial. Alice nos lembra que, por mais louco que possa parecer qualquer país das maravilhas, sempre existe o Glorian Day, aqueles momentos em que, na psicoterapia e na vida, encontramos e assumimos nossa própria identidade. Quando o incompreensível torna-se compreensível; quando o insensato adquire sentido; ou quando o nem tão maravilhoso assim vem a ser o tão sonhado país das maravilhas.
Ainda que as rupturas e perdas desta fase sejam dramáticas, para muitos adolescentes pode configurar uma oportunidade para ressignificar um corpo infantil vivido como desvalido ou capacidades pessoais tidas como incertas.
Mariana Bica Ortiz
Psicóloga – Sócia graduada do IEPP