Um diálogo sobre a necessidade de sonhar diante do sentimento de
ter sido “roubado”.
Era uma vez um menino arruaceiro, que só pensava em brincar, que corria pelas ruas de uma cidade árabe. Roubar, principalmente comida e frutas era o que mais gostava ou era a forma que se mantinha sobrevivendo.
–Tinha fome, pobre menino…
Aladin era seu nome e parecia viver nas ruas.
–Não tinha casa?
–Talvez tivesse, mas voltar para casa era ter que conviver com a mãe desamparada, triste e necessitada.
O pai morreu quando Aladin era pequeno e deixou o menino na incumbência de cuidar de uma mãe frágil.
–o que é incumbência?
–é estar encarregado de algo, ter uma responsabilidade por algo ou alguém
–Filho cuida de pais?
–Não! Pais cuidam de filhos, principalmente quando são pequenos e jovens como é o personagem da história.
–Pobre Aladin, teve sua infância roubada! Será que por isso gostava de roubar e era chamado de ladrão?
–Talvez “roubasse” como uma bandeira para sinalizar seu desamparo e solidão.
Mas Aladin, foi crescendo e, agora com 15 anos, precisava mais e mais afastar-se de ter a mãe só para ele, pois na sua fantasia poderia de fato ocupar o lugar do pai.
–Será que ele tinha pai e mãe?
–Pois é, talvez fosse órfão de pai e de mãe.
Mais uma razão para roubar, correr, sobreviver e ser tachado de ladrãozinho ou delinquente.
–o que é delinquente?
–uma pessoa que faz coisas “erradas”, que não pode, que não é correto, como roubar, mentir, enganar…. e cada vez vai ficando mais grave, sabe? Rouba carro, pessoas, bancos…
–mas eu minto, então sou delinquente?
–não, porque sabes que não é bom mentir, recebes esse modelo dos teus pais, de quem te cuida.
–também vejo na TV notícias de gente grande que rouba e vai preso, e outros não. Isso é ser delinquente?
–Isso é mais complicado de explicar. Vamos continuar a história do Aladin.
Um belo dia ele encontra-se com um homem estranho que se apresenta como um modelo de riqueza, poder e ambição. Agora o já quase rapaz admira-se com o homem que se diz ser seu tio. Irmão do pai.
–irmão do pai ou era o pai dele?
–talvez pudesse ser o pai no desejo de Aladin, afinal ele queria muito que alguém, um homem, pudesse lhe cuidar, acompanhar e mostrar os caminhos.
O homem promete lança-lo no mundo dos homens adultos, dos homens grandes e afortunados. Ah, antes que me perguntes, afortunado é com fortuna, riqueza, poder e força.
–aham
–porém!!! Terá que pagar a esse homem, resgatando no interior de uma caverna/gruta o que há de mais valioso, o que há de mais completo, a luz para todas as trevas, a cura de todos os males, a lamparina mais brilhante a unificação mais completa: a LÂMPADA MÁGICA.
–Nossa!!! Queria uma para mim!!!
–seu formato era arredondado e alongado, numa junção perfeita entre duas formas que resultam na criação, na satisfação de todos os desejos, ou melhor, de somente 3 desejos. Assim como a concepção que é fruto do homem e da mulher. Para tanto a lâmpada precisava ser esfregada.
–essa parte tá difícil de entender…só sei que as vezes me esfrego de noite, no escuro e sinto uma coisa boa, mas não tem nada de lâmpada mágica.
–ok, vamos continuar…
Mas Aladin precisava entrar numa caverna, tipo gruta, sabe? E lá no fundo estaria ela! linda e cintilante!!! Antes iria ver um montão de joias, moedas de ouro e frutas brilhantes que na verdade eram pedras preciosas que reluziam mais do que tudo. Mas não poderia pegar, nem tocar, somente resgatar a lâmpada mágica.
A caverna era escura e úmida e ele deveria entrar, essa era sua missão.
Do lado de fora o seu tio/pai/conselheiro do Sultão o aguardava ansioso para se apoderar da lâmpada.
–tá já sei!!! E aí ele pegou, conseguiu? Chegou lá?
–sim, chegou lá e pegou a lâmpada, mas antes pegou as pedras preciosas que pareciam frutas cintilantes, guardou nos bolsos, correu até a entrada da caverna e ao entregar a lâmpada foi traído pelo tio que o encerrou naquela gruta escura e úmida. Ficou preso num corpo cheio de riquezas, mas que ao provar dessas riquezas é castigado ficando sem comer e beber.
–que nem eu quando fico de castigo, mas eu não como coisa que não é para comer
–Tá bem, vamos continuar…mas ele tinha a lâmpada e ao esfregá-la, sem querer, descobre um outro mundo, o mundo dos prazeres, o mundo dos desejos realizados e satisfeitos.
Pede ao gênio que o liberte da caverna e quer tornar-se príncipe todo poderoso. Assim, seus desejos serão atendidos.
Sendo já um Príncipe, um homem com roupagem real, pode entrar no Palácio do Sultão e casar com a Princesa, pois não é mais um jovem que rouba e corre desamparado pelas ruas. Agora tem tudo, sente-se todo poderoso, magnânimo, majestoso, sente-se o mais poderoso de todos, o mais feliz, o mais eufórico.
—ihhh…magnânimo!!!!
–depois te explico, não posso perder o tom grandioso dessa parte da história.
Entra no Palácio como uma escola de samba entra na avenida. Tudo muito luminoso, exagerado, plumas, animais de várias espécies, comidas de todos os tipos, serviçais…tudo para ofertar ao Sultão em troca da Princesa.
Aladin necessitava sentir-se grandioso, pois no fundo ainda carregava a dor de ser uma criança roubada e um jovem ameaçado por ter ocupado o lugar do pai junto à mãe.
Mas Aladin não sabia que já havia conquistado a Princesa quando numa de suas andanças pelo mercado Árabe, encontrou com uma bela jovem que, vestida como uma plebeia, também caminhava pelas ruelas do mercado de temperos e sedas.
–mas eles namoraram???
–ainda não, só conversaram, se olharam e sentiram vontade de ficarem juntos por muito tempo, por Mil e uma Noites.
–Mil e uma noites é muita noite!!! um montão!
–sim, um montão. Ou o tempo suficiente para ficar quando começamos a gostar de alguém.
–eles se beijaram?
–não, porque Aladin estava em busca da Princesa, lembra? Estava entrando no Palácio
–ah é…
–então, entrou no Palácio e ao se deparar com a Princesa reconhece que ela era a moça do mercado de especiarias.
–De novo? não sei o que é especiarias…
–temperos.
Então ficou envaidecido porque agora poderia apresentar-se como o Príncipe todo poderoso e não precisar revelar sua verdadeira identidade
–mas agora fiquei confuso! Quem é Aladin? O menino pobre e delinquente ou o Príncipe poderoso e rico.
–boa pergunta!
Quem foi Aladin? Talvez um menino pobre mas que mentia e roubava como um pedido de ajuda para que lhe cuidassem e dissessem por onde deveria seguir.
–mas ele foi um Príncipe rico e poderoso. Com muitas moedas de ouro e a lâmpada mágica que dava tudo para ele.
–não, tudo não! Ninguém pode ter tudo.
–mas eu tenho, quando sonho eu invento como eu quero e aí dá certo.
–mas depois tu acorda e aí …
–aí tem um monte coisa chata prá fazer…
–pois é, tem coisa chata, coisa boa, coisas que gostamos e outras nem tanto…mas também tem coisas que inventamos, criamos, modificamos para ir ficando melhor
–como Aladin, que não voltava prá casa para ficar melhor?
–talvez, foi o jeito que ele achou para viver a vida dele. Livre e espontâneo, afinal foi assim que ele conquistou a Princesa no mercado de especiarias, quer dizer no mercado de temperos.
Agora vamos dormir para sonhar, descansar e amanhã correr, quer dizer, caminhar pelas ruas da cidade.
Boa noite!
–boa noite!
só mais uma coisa, o que é magnânimo?
–alguém generoso, que se sente acima de tudo e todos mas, com uma intenção de ser bom, de seguir um ideal grandioso.
–ah, tá…
–Pai?
–sim…
– eu queria ter uma Lâmpada Mágica
–todos temos, filho.
Marta Coelho Leal (Psicóloga, docente e supervisora do IEPP).