Sete Minutos Depois da Meia-Noite
Trabalho vencedor dos temas-livres da Jornada do CEAPIA 2017
Letícia Machado Moreira – Sócia Efetiva do IEPP
Renata Gornicki Rossetti – Sócia Aspirante do IEPP
Tadiela Lodéa Rodrigues – Sócia Aspirante do IEPP
Demétrius Nunes – Estagiário de clínica do IEPP 2017
Hoje, vamos conversar sobre um livro/filme e o Grupo de Contos. “Sete minutos depois da Meia-Noite” nos conta a história de Conor. A sua trajetória frente à morte iminente da mãe, uma trajetória de dor, descoberta e retomada da sua própria história.
O Monstro surge na história em um momento de angústia extrema do menino, e propõe contar três histórias e depois será a vez de Conor contar sua história. Essa passagem nos remete ao trabalho com contos. Em um primeiro momento contamos as histórias, buscamos abastecer as crianças, banhá-las nesse mundo imaginário, autorizá-las a sonhar, para aos poucos ir devolvendo-as a realidade e, nesse momento, dessa forma, elas podem se apropriar de suas histórias e recontá-las, reinventá-las.
A psicoterapia tem como princípio a cura através das palavras. Entendemos que para contar uma história, para contar a sua história, é preciso um longo caminho percorrido. Um caminho de espaços, abrir espaço para falar de si é um dos benefícios que o trabalho com história propicia. Narrador é aquele que narra a sua própria dor, mas isso não é fácil, para chegar até lá é preciso percorrer um longo caminho. Para narrar a sua história é preciso ter histórias dentro de si, é necessário que pais suficientemente narrativos tenham contado histórias, tenham sonhado junto com a criança, tenham permitido que a criança possa descobrir a sua história. O monstro conta três histórias para Conor e o acompanha, como um terapeuta, quando Conor conta a sua história, a sua grande dor. O monstro está ali, para através do mundo lúdico salvar o menino.
Devido ao impacto causado pelos acontecimentos, é necessário dar sentido ao que está causando dor e sofrimento. Através dos contos, é possível restaurar ou descobrir estes significados. Conor é solicitado com urgência a aprender a lidar, ser corajoso e entender a complexidade das inúmeras situações pelas quais está passando. Neste sentido, como afirma Bettelheim (1980), a criança necessariamente precisa receber ajuda, para que com o auxílio consiga significar seus sentimentos e organizar sua vida psíquica. Estes significados e formas de enfrentamento é o que os contos fornecem.
O terapeuta de contos, representado pela figura do monstro, instaura um espaço confiável, possibilitando a elaboração de conflitos. Através deste espaço, cria-se uma nova edição do Holding. Devido ao seu estado de sofrimento, o terapeuta-monstro adapta-se de certa forma a corresponder às necessidades do menino, num período reservado de tempo, como , no caso do horário determinado para ser aparecimento. Assim como uma mãe suficientemente boa alimenta a onipotência e permite à criança expressar seu gesto espontâneo, o monstro se torna o ego auxiliar no momento de crise, promovendo reforço ao ego do menino, para que consiga, em condições suficientemente boas, superar o sofrimento. (Winnicott, Shepherd & Davis, 1994)
Conor, em um primeiro momento, rejeita as histórias, pois as considera infantis. Contudo, o monstro vai explicando que histórias fazem parte da nossa vida, que somos feitos de histórias e que elas são necessárias para a nossa vida. “Histórias são o que há de mais selvagem. Histórias perseguem, mordem e caçam.” (p.33) conta o monstro logo no início do livro. Gutfriend (2010) refere que precisamos de um ambiente narrativo para dar sentido à existência humana. Sem histórias não nos contamos, sem nós contarmos paralisamos na dor, no sofrimento, no luto. E é por isso que precisamos narrar, mas para narrar é necessário, antes, estarmos abastecidos de afetos, olhares e palavras. Neste sentido retorna-se ao conceito Holding, ou sustentação, introduzido por Winnicott como uma função materna, que irá permitir à criança desenvolver suas capacidades. O abastecimento de afetos, olhares e palavras é segundo Bleichmar & Bleichmar (1992), possibilitado através da função do Holding, que constituí uma função fisiológica e emocional, integrando tanto os fenômenos físicos como, o toque, a pele a proteção, quanto a sensibilidade auditiva, da fala e os movimentos visuais de mãe e filho.
As palavras tem o poder de sustentar a maternidade, de dar apoio para constituição psíquica do sujeito. Ao narrar, podemos nos reinventar. Estamos junto com a mãe ao ouvir as histórias e progressivamente vamos nos separando ao poder contar (Gutfriend, 2010). Conor tem palavras, histórias, ritmo dentro de si, podendo assim suportar e sobreviver as dores e angustias de um luto e assim retomar o caminho da vida, o caminho da ligação.
Referencias
Bettelheim, B. (1980). A psicanálise dos contos de fada. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Bleichmar, N. M. & Bleichmar, S. (1992). A psicanálise depois de Freud. Porto Alegre: Artmed
Gutfreind, C. (2010). Narrar, ser mãe, ser pai & outros ensaios sobre a parentalidade. Rio de Janeiro: DIFEL.